17.3.05

 

O Génio e o Q.I. * , vulgo, Cunha

Na passada 2ª feira, dia 14 de Março de 2005, comemoraram-se mais duas efemérides importantes : as do nascimento de duas figuras notáveis, cada qual no seu campo – Albert Einstein (n.1879) e Raymond Aron (n.1905).

O Público, periódico que se quer de referência, deu destaque às duas. À primeira, por redobrada razão, visto que 2005 foi considerado também Ano Internacional da Física, em memória dos cinco trabalhos publicados há 100 anos pelo então jovem Einstein, um dos quais, sobre o efeito foto-eléctrico, lhe haveria de valer a atribuição do Prémio Nobel da Física, em 1921. À segunda, por atenta intervenção do seu Director, José Manuel Fernandes, prolífico editorialista, nem sempre feliz nos alvos que escolhe, como sói suceder a quem a tantos e tão variados temas tem de diariamente acudir.

Torna-se já ocioso referir as qualidades e as facetas interessantes do grande génio alemão da Ciência do século xx. Alemão, mais por acidente, que por qualquer outra razão, nacionalidade a que viria, aliás, a renunciar, por duas vezes, ao longo da sua vida, tendo até durante algum tempo permanecido apátrida, coisa que não o incomodava por aí além, como judeu, algo errante, como os demais, desde os anos distantes da destruição do Templo, na Jerusalém mítica, disputada pelas três religiões do Livro.

Estava eu relendo uma biografia sua, que guardo na minha estimada biblioteca, desde os anos 80, quando a adquiri e de que sempre gostei muito, pelo manancial de informação criteriosa que dá do celebrado cientista - trata-se do livro de Banesh Hoffman, um dos seus colaboradores, Professor de Física, e de Hellen Dukas, sua secretária durante mais de trinta anos, «Einstein, Créateur et Rebelle», na excelente tradução francesa de Maurice Manly, Éditions du Seuil, collection «Points Sciences» - quando rememorei um pormenor, a meu juízo, curiosíssimo sobre o início da vida profissional de Einstein.

Registe-se que o referido livro foi publicado na versão original americana, em 1972, «Albert Einstein, Creator and Rebel», por The Viking Press, New York, dezassete anos após o desaparecimento do génio. De então para cá, milhares de outros devem já ter saído a lume, não sei se de qualidade equivalente, mas certamente que com essa possibilidade, dado o acervo de informação que foi sendo disponibilizada de então para cá.

Um dos livros mais citados, além deste, como de boa referência é o de Abraham Pais, publicado nos EUA em 1982 : «Subtle is the Lord / Subtil é o Senhor», alentada obra de um igualmente Professor de Física e íntimo colaborador de Einstein, editado em Portugal em 1993, pela Gradiva, com tradução de dois Físicos portugueses, Fernando Parente e Viriato Esteves, que ainda não li, mas já compulsei, parecendo-me bastante minucioso na parte científica, talvez demasiado, para o grande público, e razoável na parte propriamente biográfica, sem atingir neste aspecto, o nível de pormenor do de Banesh Hoffman.

Menciono ainda como complemento de informação, para os que quiserem iniciar-se na Teoria da Relatividade, numa base acessível, mas rigorosa, com equações de Maxwell e algum parcimonioso formulário, um livrinho, de cerca de 60 páginas, com a matéria bem organizada e bastante bem escrito, do Professor António Brotas, já jubilado do IST (Instituto Superior Técnico) de Lisboa, intitulado «O Essencial sobre a Teoria da Relatividade» da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, Maio de 1988, com uma tiragem de 10 000 exemplares, ainda não completamente esgotada e ao módico preço de € 1,00. Isto mesmo : 1 euro, menos do custo de um jornal de fim-de-semana.

Dedicou António Brotas este pequeno mas muito meritório livro à memória de seu avô, Professor António dos Santos Lucas, « que no ano lectivo de 1922-23 deu, na Faculdade de Ciências de Lisboa, um Curso de Relatividade Restrita e Generalizada », demonstrando assim como se herdam estas afinidades e se expressa gratidão e reconhecimento a quem foi pioneiro emérito na missão de ensinar e divulgar as luzes da Ciência, forma mais adequada e segura de fomentar o progresso das sociedades.

Mas o pormenor curiosíssimo a que me referi acima reside no seguinte :

Como se sabe, Albert Einstein diplomou-se pela Escola Superior Politécnica de Zurique, em Física-Matemática, no ano de 1900, com 21 anos de idade, depois de um curso algo penoso, sem nele ter granjeado grande notoriedade, até pelo seu feitio um tanto rebelde, irreverente e sonhador.

Um seu condiscípulo e futuro amigo dilecto, Marcel Grossmann, estudante aplicado, assíduo às aulas e muito metódico na organização dos apontamentos que tirava das lições dos mestres, haveria de valer-lhe imenso, quer durante o curso, quer depois do seu términus, como se avaliará.

Concluído o curso, sem ter recebido qualquer convite para ingressar na carreira docente ou na de investigação da própria Escola, o nosso jovem Alberto, apertado pelas dificuldades económicas, para não sobrecarregar a família, logo começou a procurar emprego, de preferência estável, como fazem os jovens de hoje e como fizeram os de sempre.

Escreveu cartas a Professores prestigiados, enviou-lhes alguns trabalhos que ia desenvolvendo, no campo da Física Teórica, mas, invariavelmente, não obtinha como resposta senão o mais profundo silêncio. Até o Pai, sem Alberto o saber, tomava a seu cargo a tarefa de o recomendar a Professores de que tinha conhecimento o filho estimava.

Entretanto, Einstein ia dando lições em Colégios privados e a particulares, para garantir a sua subsistência.

Já bastante desesperado com a situação, Einstein foi ter com o seu ex-colega Marcel Grossmann, que se tornara Assistente Universitário, na Escola em que ambos se formaram. Aí não lhe podendo valer, Marcel prometeu, todavia, ajudá-lo no que estivesse ao seu alcance.

Com efeito, o pai deste conhecia o Director da Repartição Pública de Registo de Patentes, em Berna, Friedrich Haller, o qual, avisado, convocou Einstein para uma entrevista, para aquilatar da sua adequação a uma possível vaga no quadro técnico superior da instituição.

Nela se deu conta de que o moço não reunia as qualificações técnicas pretendidas para o lugar, mas no decurso da mesma se terá apercebido da sólida formação e interesse do moço por algumas matérias, entre elas a da teoria do Electromagnetismo de James Maxwell.

No entanto, nada poderia fazer, naquela altura, 1901, aconselhando-o a estar atento ao anúncio de vagas postas a concurso oficial que iria surgir na imprensa a breve prazo.

Einstein, já em Berna, em Fevereiro de 1902, não deixou de saber da abertura de uma vaga, pela gazeta federal e, naturalmente, a ela concorreu, tendo sido admitido, em 23 de Junho, para o lugar de Engenheiro Estagiário de 3ª classe, com o vencimento anual de 3 500 F, modesto, segundo dizem, mesmo para a época.

Ou seja, e aqui é que reside o fulcro da história, mesmo um génio, como o nosso Albert Einstein, jovem, idealista e bem formado, teve de agenciar uma oportuna cunha, empenho de amigo dilecto (quem o indicou), para lograr o seu primeiro emprego estável, mas de mui modesto estatuto, apesar de todas as suas potencialidades.

Exultai, pois, ó ávidas e venais criaturas destes pós-modernos tempos, especialistas em manobrar expedientes diversos, nos meandros do poder, para cobrar múltiplas sinecuras, porque estais de antemão relativizadas nesse comércio, pelo vero criador da Teoria da Relatividade.

Se até um vulto da Ciência, como Einstein, houve de recorrer a esse nefando método, porque havereis vós de vos inibir ante tal possibilidade ?

A vida de Einstein tem muitos e variados episódios interessantes, quer nos aspectos científicos, alguns bastante complexos, como qualquer um que haja estudado Física na Universidade pode comprovar, mesmo sem se ter adentrado muito nela, como também nos seus comuns aspectos quotidianos e nas reflexões de carácter cívico e filosófico, em que o génio de Einstein sempre se manifestava.

Até o seu tão proverbial pacifismo se viu corrigido perante a necessidade de suster e derrotar a bestialidade nazi.

Há anos, quando passei um período na Suíça, tive oportunidade de, em Berna, visitar a Casa Museu Einstein, casa onde ele habitou, um 2º andar, na Rua Kramgasse, 49, naqueles anos iniciais, mas férteis, da sua estada nesta cidade.

Surpreenderam-me a modéstia e a exiguidade dos aposentos, se bem que na altura o génio fosse ainda um ilustre desconhecido, no mundo conservador da sociedade helvética de então e, provavelmente, tal não destoasse da mediania de conforto dos lares daqueles mais sóbrios tempos.

Era, quando lá estive, há cerca de 14 anos, curador desta Casa-Museu um homem dos seus 70 anos, de espírito jovial, que, ao aperceber-se da minha nacionalidade, me cumprimentou, em Português, coisa que mais me espantou ainda. Disse-me que havia estado, nos anos 50 (séc. xx), em Lisboa, trabalhando na Embaixada da Suíça, como adido ou conselheiro de imprensa e aí havia aprendido a nossa língua.

Logo me referiu alguns pormenores da sua grata memória desses tempos. Tão atencioso se mostrou, que acabou por fechar a Casa, na altura quase no fim do seu período da abertura ao público e só comigo a visitá-la, para me convidar a descer ao rés-do-chão, a tomar um café, num pequeno estabelecimento aí existente, no qual se reunia com os seus amigos diariamente, em amena cavaqueira.

Este facto acabou por alterar completamente a impressão que levara comigo sobre a propalada frieza dos suíços, no seu trato com estrangeiros. Bem sei que posso ter estado perante uma excepção, mas acaba por ser destes acasos que se constrói a nossa falível opinião dos povos com quem entramos em contacto.

Quanto à segunda figura da efeméride, Raymond Aron, terá de ficar para um sequente artigo, em que procurarei reflectir na sua emulação de uma vida, com outro grande ícone do pensamento filosófico e político do século xx, ainda mais publicamente notabilizado que ele, como foi o caso de Jean-Paul Sartre, fundador do Existencialismo, intelectual idolatrado por multidões em todo o mundo, no período do pós-guerra até quase aos anos 80 do século passado, apesar dos erros políticos em que incorreu, como hoje quase todos reconhecem.

Sartre haveria de visitar Portugal, em 1975, em pleno período político conturbado, quando se ensaiava aqui a última revolução leninista da Europa, daquele desconcertante século, de exacerbadas guerras e revoluções, antes de alguém, precipitadamente, ter declarado o fim – próximo e tranquilo – da História, que, afinal, sabemo-lo agora, não será o fim, nem estará próximo e muito menos será tranquilo.

* Para quem ainda não saiba, o Q.I. aqui referido não significa o quociente intelectual ou de inteligência da célebre escala de Binet-Simon, estabelecida no começo do século xx, por aqueles dois Psicólogos franceses, para avaliar capacidades intelectuais de crianças, a partir de testes especialmente concebidos para esse fim. Mais prosaicamente, tem ele aqui o significado de «Quem Indica», circunstância que, como se sabe, ultrapassa, de longe, o valor do real e primitivo Q.I., tornando-o, com frequência, dispensável ou de muito secundária importância.


Nil desperandum / Não desesperar ; e

Nulla dies sine linea / Todos os dias fazer alguma coisa ( de útil, subentenda-se)

AV_Lisboa, 17 de Março de 2005


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Comments:
Tambem eu estou a experimentar a queda de um mito: a frieza dos alemaes. Nao ha nada como a viagem para destruir ideias feitas.
Um abraco, desde Berlin.
(peco desculpa pela ausencia de acentos)
 
Viajar, viajar é preciso...
E esta monarquia de má qualidade que se está instalando teria de se deslocar para o outro lado do Atlântico, ao Sul.
Barões "Torta e Posta" e toda a sua comitiva seriam forçados a fazer as malas.
Ass: Cidadão Viajante.
 
Caro António,
Tão interessante como seu texto (quer dizer que você lê em Francês!!!), é o breve comentário do Manoel Carlos. Einstein usou o "Q.I." numa emergência, mas quem, como ele, desenvolveria sua Teoria? (Ouvi dizer que já a estão contradizendo, sabe algo sobre isso?). Como sempre, ler seu texto é aprender. OBRIGADA! Abraços,
Bisbilhoteira.
(www.bisbilhotices.blogger.com.br).
 
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